A “FÉ” OU A FÉ UMA ESCOLHA URGENTE
2011-10-20 09:29
A “FÉ” OU A FÉ UMA ESCOLHA URGENTE
Escrito por Pr. Antonio Marcus dos Santos Barbosa
Lutero disse que a justificação pela fé era o artigo pelo qual a Igreja se mantinha de pé ou caia. Essa declaração era subproduto de uma compreensão acertadamente teológica de que sem uma justiça externa (iustitia aliena) que vem de encontro ao pecador – incapaz, escravizado, desventurado. Sem uma ação soberanamente graciosa da parte de Deus que o encontrasse, ele pecador na sua perplexidade e desespero existencial, jamais haveria, nem sequer remotamente em sonhos a existência da salvação como uma fenomenologia, daí por derivação lógica da própria Igreja, visto ser essa o ajuntamento, a comunidade dos redimidos, dos salvos, dos santos.
Essa justiça soberana imputada como uma coluna sustentatória é possibilitada experimentalmente por meio da dádiva dadivosa (desculpem a tautologia) da fé. Entendo ser pertinente o testemunho do teólogo holandês Bavinck: “Cristo crucificado e glorificado é a justiça que Deus nos concede através de sua graça na justificação. E quando Deus nos concede esse Cristo juntamente com todos os benefícios de sua livre Graça, sem qualquer mérito de nossa parte, através da fé, então nós estamos justificados” (Bavinck – 2001, p.500).
Entretanto essa virtude (não meritória), reação e tendência da graça em nossa interioridade vêm sofrendo um processo massivo e universalizado de mutilação por parte dessa nouvelle spiritualité (nova espiritualidade) pós-cristã. Que quero destacar com essa afirmação? Simples, há um tipo de paródia da fé crescendo assustadoramente como erva daninha, como infestação de uma praga o jardim fechado de Deus eivada de uma ambição desmedida de substituir a verdadeira fé. Essa terrível presunção só pode ser malograda por meio de uma reação propositiva e dialética onde a natureza, a dinâmica da fé salvífica seja apresentada exposta.
A FÉ FRUTO DA LIVRE GRAÇA DE DEUS
Dentro dessa perspectiva podemos desde agora pontuar que a fé não surge como uma obra ou habilidade inerente no homem. Essa leitura equivocada que é dejeção de se confundir emoção e assentimento puramente intelectual com a fé (deixado ressalvado a verdade de que esses dos elementos listados fazem parte da estrutura da fé). Pretendo ser mais explicito, a fé não é patrimônio do homem caído é um presente (dwron) divinal! Portanto, não há como, em nenhuma situação identificá-la com manifestação da personalidade, pulsões do aparato emocional, poderes latentes da alma veiculados pelo exercício místico ou ocultismo, enfim.
Paulo é esclarecedor nesse ponto da fé como uma manifestação carismática que tem seu epicentro no trono da misericórdia: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” (Ef 2.8-10). Calvino tratando da temática da fé nas Institutas atribui o fundamento da graça a fé: “Constituímos por fundamento da fé a promessa graciosa, porque nela se apóia, com propriedade, a fé. Ora, ainda que a fé em tudo declare ser Deus verdadeiro, quer ordene, quer proíba, quer prometa, quer ameace, e até obedientemente receba seus decretos, observe as determinações, atente para as ameaças, contudo começa propriamente da promessa: nela subsiste, nela termina” (Calvino-2006, VL III, p.53).
Essa graciosidade da fé fica mais patente se entendermos que desde sua formação, origem (arxêgós) até sua última parada (teleiós), ou seja, a glorificação do corpo ela é fruto da obra mediadora de Jesus: “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus.” (Hb 12.2). Seguindo a trilha deixada pela revelação à assembléia de Westminster elucidou a natureza da fé como uma manifestação da graça divina: “A graça da fé, pela qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é ordinariamente operada pelo ministério da palavra; por esse ministério, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e fortalecida”.
A FÉ PRODUÇÃO DO MINISTÉRIO DA PALAVRA COMO ESCOLA DO ESPÍRITO
Depois de sublinharmos a espinha dorsal do fenômeno espiritual fé, que consiste em ser uma manifestação da cháris (graça) divina deixando com isso muito bem posto que a fé verdadeira não pode ser resultado de nenhum agenciamento humano( tendo como causa motora sua própria operação), de nenhuma engenhosidade dos bípedes, visto que esta é refluxo da onipotência de Deus: “para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder;” (Ef 1.17-19), além de ser monopólio divinamente estabelecido dos eleitos: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade,” (Tt 1.1).
Por isso, a partir do que foi acima declarado é necessário prosseguir para demonstrar a geratriz, o método de Deus para produzir a fé em nossa subjetividade. Qual é então essa metodologia divina? Essa é fácil, a palavra de Deus veiculada pelo ministério da pregação, sem esse o máximo que podemos ter é um simulacro da fé, um espectro feio e horripilante, jamais a fé salvadora, ouça o testemunho apostólico: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo.” (Rm 10.14-17). Dr. Martin Lloyd-Jones destaca a palavra como ferramenta do Espírito para construir o edifício da fé: “Essa é a forma pela qual a fé vem à existência e entra em operação. Ela é gerada pela palavra de Deus, pela verdade, pelo evangelho, pela mensagem pregada” (Lloyd-Jones – 1997, p.186). A verdade é que se não se conseguir discernir esse fio condutor utilizado por Deus para ligar a luz da fé salvadora lança-se a Igreja institucionalizada num turbilhão de engano e perversão, foi exatamente por alienar esse lastro firma da origem kerigmática (referente à pregação) da fé que essa se tornou refém do mercantilismo da teologia da prosperidade, promiscuída nos altares das catedrais evangélicas, espetáculo escarnecedor nos palcos dos shows da “fé”. Penso que o pastor Glênio F. Paranaguá fez uma leitura lúcida dessa degenerescência da não-fé no submundo evangélico: “Temos assistido ultimamente um crescimento assustador de um espetáculo bizarro, motivado pelos poderes latentes da alma assumindo o controle daquilo que é denominado como manifestação da fé. Líderes religiosos, viciados em sucesso, usam métodos manipuladores baixos para estimular as aglomerações carentes de estímulos bioquímicos. Muita excitação emocional tem sido usada para drogar as pessoas com frenesi da paixão e, desse modo, escravizá-las” (Paranaguá – 2007, p.84/85).
Tendo esse quadro fortemente preciso como advertência, reafirmemos a natureza graciosa e bíblica da fé. Desbaratemos toda tentativa de falsificação ou estelionato humano desse presente celestial. O Catecismo de Heidelberg na sua pergunta 21 sobre a fé verdadeira nos fornece uma imagem vívida do tipo de fé que deve ser estimulada e experimentada entre os crentes como meio da redenção, que reputo ser de muito proveito para nossa caminhada e militância pela fé “que uma vez por todas foi entregue aos santos”: “A verdadeira fé é o conhecimento e a certeza de que é verdade tudo o que Deus nos revelou em sua Palavra. É também a plena confiança de que Deus concedeu, por pura graça, não só a outros, mas também a mim, a remissão dos pecados, a justiça eterna e a salvação, somente pelos méritos de Cristo. O Espírito Santo opera esta fé em meu coração, por meio do Evangelho”Fonte https://ipcampoformoso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20:a-fe-ou-a-fe-uma-escolha-urgente&catid=1:pastorais