16/03/2012 17:01
A CRISE DO CORAÇÃO
Falar da crise dos relacionamentos se tornou algo tão óbvio que chega a ser um clichê. Mas, que fazer gosto de clichês, visto que eles tornam-se indicadores de que uma realidade social verificável deixou de ser um ato social, tópico e individualizado e transformou-se num fenômeno social, agasalhando uma topografia sistêmica e universalizada.
De fato, a crise relacional é generalizada, não respeitando os critérios clássicos de diferenciação, tão insistentemente utilizadas por nós tais como: econômicos, sociais, políticos, culturais, étnicos, enfim. Essa crise é de natureza interiorizada, o que quero dizer com isso é que todas as dificuldades comprometedoras que atualmente os relacionamentos vêem passando, é apenas o processo de historificação ou materialização de uma deformidade interior, de uma perversão na interioridade de proporções dantesca. Teoricamente conceituo essa crise como a crise do self, em resposta hermenêutica a conceitualização escriturística dessa problemática relacional humana como crise do coração. Minha abordagem metodológica é justificada, pois, o coração é entendido biblicamente como o centro das emoções, do Eu, não estou sozinho como se pode comprovar na definição proposta pela Enciclopédia da Bíblia: “O coração denota o ‘homem interior’, a essência da personalidade, sendo o lugar e o centro de toda vida. O termo psicológico de equivalência mais próxima à antiga palavra coração é o ego, que representa o eu, a própria pessoal”.
É esse coração o responsável por nossas desventuras relacionais, é por conta de seus excessos e depravação que vivemos o que o pensador Zigmunt Bauman chama de “relacionamentos líquidos”, ou seja, relacionamentos que não foram feitos para durar. Dito de outro modo, a condição tendenciosamente falida do coração é asseverada de maneira tácita pelo conteúdo revelado em diversos textos, escolhi como exemplificação o profeta Jeremias por sua feliz descrição do processo perverso do coração humano: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Jesus associa, aproxima nossos fracassos interpessoais, nosso patrimonialismo existencial ao fluxo do interior de nossas emoções: “Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.” (Mt 15.18-19), acompanhando a pedagogia do mestre, o apóstolo aos gentios também ressalta a natureza interiorizada da crise humana, só que na moldura de uma sexualidade distorcida e pecaminosa: “Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si;” (Rm 1.24). Nesse ponto é salutar trazermos à baila a advertência do sábio rei Salomão: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.” (Pv 4.23).
Bem, não basta apenas encontrarmos a causa material dessa profunda e insuportável crise. É sobremodo relevante também encontrarmos respostas adequadas para solucioná-la. Na direção dessa toada a bíblia nos apresenta algumas soluções para essa condição crítica do coração. A primeira delas (que é de natureza soberana) é a cirúrgico-espiritual. Isto é, a operação que Deus realiza no homem retirando o coração esclerosado e transplantando outro vivo e sadio. Essa medida depende exclusivamente do alvedrio divino, o outro nome para ela é novo nascimento. Perceberam? A situação do coração é tão grave que não pode ser solucionada por nenhum agenciamento humano, apenas uma intervenção divina nesse tecido existencial é que pode resolver tão dilema. Então é exatamente essa intervenção, essa cirurgia espiritual chamada regeneração que Deus realiza no coração do pecador redimido: “E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne.” (Ez 36.26). Aprofundando a temática ouço a constatação lúcida do grande teólogo Augustus H. Strong: “Precisamos da obra de Deus exatamente na base do nosso caráter e não no ângulo exterior, bem no começo, não somente no fim”.
Mas, aqui é pertinente inquirir, se essa resolução está condicionada a agenda divina, não há muito que se fazer em termos de nossa experiência histórica certo? Conquanto, seja real que o novo coração é um assunto da soberania de Deus, não é verdade que não precisamos ou podemos fazer algo, podemos sim! Clamar a Deus que nos dê um novo coração!Chamo esse paradoxo de passividade-ativa; isto é, há coisas que devemos buscar com esforço e que ainda assim, somente podemos receber.
Outra resposta da Escritura à crise do coração é a internalização do poder libertador da verdade. É importante assentar que esta é uma questão de consistência lógica, isto porque, se a crise das relações é de natureza interior, nada mais adequado do que a utilização desta agência que trata profilaticamente com os abismos sombrios de nossos corações, estou me referindo à verdade (avlh,qeia), porque só a palavra de Deus pode suscitar impressão redentiva e regenerativas no coração calcificado pelo pecado: “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre.” (1 Pe 1.23). Tiago de outra forma destaca essa instrumentalidade da verdade na obra divina de alteração do principio diretivo da alma na obra da regeneração: “Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas.” (Tg 1.18). John Wesley ilustra bem essa consequencia ou mesmo impacto da verdade em nosso coração: “A verdade escrita em nosso coração deve fazer-nos livres da culpa, pecado, miséria e Satanás”. Ainda como sedimentação do ensino da verdade como mecanismo de solução da crise do coração quero trazer mais uma vez o conselho do rei Salomão: “Filho meu, atenta para as minhas palavras; às minhas razões inclina o teu ouvido. Não as deixes apartar-se dos teus olhos; guarda-as no íntimo do teu coração. Porque são vida para os que as acham, e saúde para todo o seu corpo.” (Pv 4.20-22).
De tudo que foi dito podemos concluir que não há esperança para o futuro dos relacionamentos, se medidas extremas não forem tomadas. Ou seja, não adianta muito um preciso diagnostico se não há uma efetiva ação medicamentosa que responda de modo simétrico a este. Da mesma maneira, não importa muito sabermos que a crise de nossas relações está depositada na desestrutura essencial do nosso coração, se não estivermos dispostos a fazermos o tratamento indicado; a saber, suplicarmos ao Eterno que altere nosso coração livrando-nos do fisiologismo relacional, que se manifesta na tendência vampirizadora de tratar o Outro como coisa. Além disso, devemos buscar a luz penetrante da palavra de Deus que desnuda nosso Eu, precariza nossas defesas interiores e inconscientes permitindo que como plano-piloto divino experimentemos os efeitos da liberdade existencial real propiciada por Cristo (Jo 8.32-36). Pense Nisto!